Um novo Congresso?
Graziella Guiotti
18 de julho de 2019 | 13h00
Na semana que terminou com a aprovação acachapante em primeiro turno da PEC 6/2019 na Câmara dos Deputados, apelidada de reforma da Previdência, cabe observar com calma esse processo e como ele se diferencia do que se passava no sistema político até então. Parecia pacífico na literatura que o protagonismo do Executivo era consequência de um Legislativo que, sabendo dos riscos eleitorais de determinadas decisões, relegava decisões impopulares a outrem. Não foi o caso do processo decisório que terminou na semana passada.
A posição vacilante do presidente da República em relação à reforma, que incluiu inclusive a tentativa de privilegiar grupos eleitoralmente importantes para ele, em outro momento indicaria a morte na praia do projeto. No que pese as interpretações que apontaram o papel de Rodrigo Maia no processo, a votação acachapante por 379 votos do texto base apontou para um parlamento que pode se organizar e agir em detrimento do Executivo, senão à sua revelia. Cabe lembrar que o quórum necessário para aprovação do texto base é de 308 deputados e que a tendência é que reformas impopulares sejam aprovadas com pouca margem.
Seriam essas mudanças consequência de mudanças institucionais paulatinas ao longo dos últimos vinte anos ou uma resposta à baixa aprovação do chefe do Executivo que deveria estar gozando de sua lua-de-mel? Nesse momento seria temerário responder a essa pergunta assertivamente mas podemos caminhar para agendas de pesquisa que contemplem o novo quadro.
A primeira seria a análise mais meticulosa das consequências das mudanças no processo orçamentário. O orçamento impositivo conferiu novas e importantes prerrogativas ao Legislativo que ainda não foram completamente entendidas. A segunda é a estratégia do Executivo de não incluir o Legislativo, ou incluir pouco, na formação de seu gabinete, isto é, no apontamento dos ministros de Estado. Se até hoje no presidencialismo de coalizão cabia ao presidente incluir o Legislativo no governo, a estratégia do atual governo foi a de apontar representante de grupos que apoiaram o presidente na campanha mas que não gozam de representação parlamentar.
Por fim, é preciso entender como as frentes, bancadas e grupos suprapartidários estão atuando e ocupando espaços que os partidos não podem ou se recusam a ocupar e o peso da alta fragmentação nesse processo. Os partidos de massa surgem para reduzir a assimetria informacional dos eleitores em relação aos candidatos. Na arena legislativa, eles resolvem os problemas de coordenação que um grupo de 513 pessoas pode ter. A alta fragmentação prejudica ambos os papeis esperados dos partidos.
Como então, um Congresso tão fragmentado e sem o apoio do Executivo logrou tomar uma decisão de quórum tão folgado num assunto tão controverso e com tantos grupos de pressão corporativos envolvidos? Nos recusamos a aceitar as interpretações que a indisciplina partidária foi a grande responsável, uma vez que em votações mais controversas não é novidade que a disciplina seja mais baixa e que, nunca é demais lembrar, mesmo se todos os indisciplinados tivessem votado como orientou o líder, o quórum ainda assim teria sido atingido. Também não aceitamos as interpretações que colocam nas costas de Rodrigo Maia os poderes de anjo ou demônio, ainda que seu papel tenha sido importante no processo.
Temos um Congresso altamente fragmentado e um presidente que não toma a frente para resolver esses dilemas de coordenação. Ainda assim, estamos aprovando grandes reformas com margens folgadas. O tempo vai dizer se essa votação não foi mais que um ponto fora da curva. Enquanto isso, temos um Congresso que se organiza com importante grau de autonomia e isso não se pode negar que seja inédito depois de 1964.
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