O clima está esquentando
Mônica Sodré
20 de junho de 2019 | 14h05
As alterações do clima estão, seguramente, entre os maiores desafios enfrentados pelo mundo e são uma das questões que definem nosso tempo. O número de eventos climáticos extremos, como secas e inundações, dobrou desde a década de 1990. Hoje, cerca de 150 milhões de pessoas a mais estão expostas a riscos de saúde relacionados ao calor em comparação ao ano 2000.
A temperatura média do planeta subiu 0.7ºC ao longo do século 20, tem se intensificado nos últimos 25 anos e a ciência sabe que o fenômeno não guarda relação com o local onde são posicionados os termômetros que medem as temperaturas da Terra, mas sim com a ação humana, por meio sobretudo do uso intensivo de carbono em forma de carvão mineral, petróleo e gás natural.
Em 2015, por meio do Acordo de Paris, 195 países se comprometeram com uma resposta global às mudanças climáticas. Dentre as metas brasileiras estão a redução de 37% das emissões de gases de efeito estufa em 2025 e redução de 43% de suas emissões em 2030, tomando como base os níveis de emissão do ano de 2005. Para isso, fiscalização do desmatamento na Amazônia, cumprimento ao Código Florestal e expansão da agricultura de baixa emissão de carbono são fundamentais.
Na última segunda-feira teve início em Bonn, na Alemanha, mais uma rodada de negociações da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), evento considerado preparatório para a Conferência das Partes (COP), que acontecerá em dezembro no Chile. As notícias não são animadoras. De acordo com o consórcio Climate Action Tracker, os avanços mundiais no combate às emissões de gases de efeito estufa estão sendo paralisados, o uso de carvão mineral está de volta e o crescimento mundial no uso de energias renováveis está perdendo força.
No Brasil, embora 12 governadores tenham dado, recentemente, declarações sobre seus compromissos com as metas brasileiras e demonstrado consciência sobre o desafio[1], algumas medidas anunciadas ou em curso no âmbito do executivo e do legislativo federal merecem significativa atenção. Além do corte de 95% do orçamento para mudanças climáticas no Ministério do Meio Ambiente e da redução da participação da sociedade civil em conselhos na área ambiental, estão em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal algumas iniciativas que colocam em dúvida nossa capacidade e interesse em cumprir as metas estabelecidas, a despeito de nossa permanência formal no Acordo. Algumas delas serão votadas já nos próximos dias, tais como: a Lei Geral de Licenciamento Ambiental, desdobramentos da Medida Provisória 867 (reeditada com o número de MP 884), PLS 2326/2019 de autoria do Senador Flavio Bolsonaro, que elimina a figura da Reserva Legal do Código Florestal, e a PEC 80/2019 que altera a função social da propriedade rural.
Dados do Basômetro mostram que, até o momento, a Câmara dos Deputados seguiu a posição do executivo em 76% das votações ocorridas e é impensável que as negociações em torno dos mais diversos assuntos se deem individualmente com cada um dos 513 parlamentares.
A ciência política brasileira sabe, há cerca de 30 anos, que a governabilidade no país é garantida por meio dos partidos políticos, peças-chave para a coordenação nos parlamentos, especialmente em nível federal. Nossos partidos políticos precisam internalizar essas discussões se quisermos garantir ações concretas para adaptação e mitigação às mudanças do clima, e temos olhado muito pouco para esses espaços. A falta de identificação dos cidadãos com os partidos não pode, e não deve, significar subvalorização de sua importância e influência na arena legislativa nacional.
Ao mesmo tempo, as eleições de 2020 que se aproximam exigem também um olhar para as cidades. Prefeitos e vereadores precisarão estar mais preparados para lidar com municípios que são e serão impactados por secas e inundações, como ocorrido no Recife essa semana, ao mesmo tempo em que lidarão com recursos financeiros mais escassos, em virtude de um cenário de estagnação econômica.
As mudanças climáticas são reais, e num país de dimensões continentais como o nosso, seus efeitos não serão sentidos de maneira igualitária em todo o território. Nossos esforços e consciência até o momento, infelizmente, têm se mostrado insuficientes em relação ao tamanho do desafio que o mundo exige e com o qual nos comprometemos. E dos nossos compromissos, o principal deles deveria ser o de não liderar atrasos.