Eleições na Espanha: a direita fragmentada e o “parlamentarismo de coalizão"
Michelle Fernandez
07 de maio de 2019 | 15h22
*Texto escrito em parceria com Rodrigo Rodrigues-Silveira, professor de ciência política na Universidade de Salamanca (Espanha).
No dia 28 de abril a Espanha foi às urnas para eleger seu Parlamento. Sob a égide do parlamentarismo, além da escolha dos membros do legislativo, os cidadãos espanhóis estavam escolhendo quem governará o país pelos próximos anos. Foi o Partido Obreiro Espanhol (PSOE) quem ganhou o maior número de deputados, ainda que não tenha garantido com isso a maioria absoluta dos assentos. Este cenário faz com que seja necessário a formação de uma coalizão para governar.
Gráfico 1. Divisão dos 350 assentos na Câmara dos Deputados da Espanha
Fonte: Ministério do Interior da Espanha (2019)
O panorama atual para a formação do próximo governo é múltiplo. Segundo a declaração de lideranças do PSOE, o partido tentará governar sozinho, conseguindo apoios apenas para a investidura. Dado o novo contexto político, parece uma opção pouco viável a médio e longo prazo, pois deverá contar com apoios durante toda a legislatura para aprovar reformas necessárias. Uma segunda opção seria formar governo com Podemos e os partidos nacionalistas (Esquerda Republicana de Catalunha, em particular), o que daria um peso maior à questão federativa na Espanha. Finalmente, a alternativa que, segundo a presidente do Banco Santander, mais agradaria ao “mercado” seria a coalizão entre PSOE e Ciudadanos. Com as eleições municipais e regionais a menos de um mês, os partidos continuam em campanha, o que aumenta a indeterminação sobre qual será a opção que o partido socialista adotará realmente.
As transformações no sistema partidário espanhol, observadas desde 2015, criaram um verdadeiro “parlamentarismo de coalizão”. Até 2011, PP ou PSOE eram capazes de governar em solitário, ainda que com minorias parlamentares. No quadro atual, essa opção é inviável. Qualquer partido que obtenha a maioria de votos deverá buscar apoio em outros partidos para a formação do governo e, mais importante, para garantir a governabilidade durante o seu mandato. Com esse novo arranjo, o resultado observado até agora é de maior instabilidade política.
A necessidade de formação de coalização é sintoma de um novo arranjo no sistema de partidos espanhol. Nas últimas eleições foi dado mais um passo no aumento do número de partidos com peso no sistema político. Vox (extrema-direita) foi incluído nesta equação com 24 deputados ocupando lugar no Parlamento e ocasionando o aumento de cinco para seis partidos efetivos em termos eleitorais. Desde 2015, a Espanha vive um processo contínuo de fragmentação parlamentar. A entrada de Podemos (esquerda) e Ciudadanos (centro-direita) no cenário de disputa real pelo poder enterrou o bipartidarismo vigente desde a transição democrática. Até então, a disputa eleitoral era representado pela oposição entre o Partido Popular (PP) e o Partido Socialista Obreiro Español (PSOE).
A vitória da esquerda oculta uma derrota ainda maior no seio da direita espanhola. A fragmentação, já observada na esquerda, pela primeira vez passa a prejudicar os grupos conservadores e reduzir suas possibilidades na formação do governo. Este realinhamento da direita faz parte de um fenômeno mais amplo, no qual podemos incluir o surgimento de partidos ou candidatos de extrema-direita acompanhados pela crise de alternativas dentro da direita tradicional. O Tea-Party nos Estados Unidos (e a subsequente ascensão de Donald Trump), o crescimento da Frente Nacional na França, ou a desarticulação do PSDB com a transferência de apoio e votos a Bolsonaro, são alguns exemplos desse movimento tectônico ainda ativo na direita.
Na Espanha, a combinação de dois fatores pode explicar a fragmentação. De um lado, temos a crise no partido hegemônico da direita e, de outro, a diversificação da oferta partidária. O PP, grande representante da direita no país até agora, viu seus votos migrarem tanto ao centro (Ciudadanos) quanto à extrema-direita (Vox). Vários fatores tiveram peso em tal crise. Um deles foi a gestão de Mariano Rajoy (PP) entre 2011 e 2018, marcada por recortes impopulares no orçamento e uma dura política de contenção de gastos sociais. Outro elemento, não menos importante, corresponde aos constantes escândalos de corrupção que envolviam o PP, minando a credibilidade do partido junto ao seu eleitorado. Um último fator, mais recente, foi a aposta por um discurso de extrema-direita como tentativa desesperada de conter a perda de votos para Vox.
No entanto, a transferência de votos no interior da direita não seria possível sem o surgimento de alternativas viáveis ao PP. Ciudadanos, que nasce socialdemocrata, foi bem-sucedido em “trocar de pele” e situar-se como uma opção liberal de centro-direita. Nas últimas três eleições foi capaz de capturar votos tanto do PSOE como da ala mais moderada do PP. Vox, por outro lado, representa a tendência de expansão da extrema-direita. Com um discurso muitas vezes diretamente importado de Trump ou de Bolsonaro, inclui de nostálgicos do franquismo à jovens indignados com a falta de perspectivas de futuro. Qualquer semelhança com a realidade brasileira não é mera coincidência!
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