Ei, você aí! Me dá um dinheiro aí!
Bruno Souza da Silva
04 de julho de 2019 | 15h40
*Escrito em parceria com Wellington Puerta, estatístico (UFSCar).
Não é novidade que o nosso Legislativo custa caro. De acordo com dados internacionais da União Interparlamentar, o Legislativo nacional brasileiro é o segundo mais caro do mundo. Fica atrás apenas do Congresso estadunidense. Nossos 594 parlamentares (entre deputados federais e senadores) custaram cerca de US$ 4,4 bilhões de dólares em 2018. Mas o quadro é ainda mais delicado quando esmiuçamos esses gastos.
No caso dos deputados federais, além do subsídio mensal atual de R$ 33.763,00 reais, cada parlamentar tem direito à verba de gabinete mensal de R$ 111.675,59 para contratar até 25 secretários parlamentares; auxílio mudança referente a uma mensalidade do subsídio no início e uma no fim do mandato; acesso a imóvel funcional; auxílio moradia de R$ 4.253,00, pago para os que não conseguem acesso ao imóvel funcional, posto que são 432 unidades disponíveis; acesso ao plano de saúde; e possibilidade de uso da Cota para Exercício de Atividade Parlamentar. É sobre este último item que concentramos a nossa atenção aqui.
Ao olharmos cautelosamente para tais cifras podemos logo nos perguntar: quem gasta mais nessa “brincadeira” toda? Há diferenças entre os partidos? E entre deputados de esquerda e de direita, cujas posições ideológicas alimentam a cisão atual na sociedade brasileira ao dizerem que uns são completamente diferentes quando comparados aos outros? Quanto a “velha” e a “nova” política, tão propagada no último pleito, há distinções consideráveis? Para responder a esses questionamentos fomos atrás de informações no portal da Câmara dos Deputados. Para análise do uso das cotas parlamentares, consideramos o período de fevereiro deste ano (quando os vencedores das eleições assumiram) a maio. O resultado nos leva, no mínimo, a refletirmos mais sobre o custo da política no país, sobretudo considerando a profunda crise econômica que atravessamos.
Cerca de R$ 52,9 milhões de reais foi o que nossos deputados federais gastaram com o uso da cota parlamentar. Desde 2009, na presidência de Michel Temer à época, a Câmara dos Deputados instituiu por ato da Mesa Diretora a Cota para Exercício de Atividade Parlamentar. Seu uso é voltado para o custeamento de gastos com serviços do mandato a partir de valores fixados mensalmente e variáveis entre os estados. Por exemplo, o estado com maior cota parlamentar mensal individual atualmente é Roraima (R$ 45.612,53) e, o menor, o Distrito Federal (R$ 30.788,66)[1]. Entram nesta seara da cota parlamentar os seguintes itens: despesas com passagens aéreas, custos de telefonia, serviços postais, manutenção de escritórios de apoio ao trabalho parlamentar (em seus estados de origem), hospedagem, combustíveis e lubrificantes, serviços de segurança, contratação de consultoria técnica, divulgação de atividade parlamentar e participação dos deputados em cursos, palestras e atividades relacionadas, além de complementação do auxílio moradia.
Ao olharmos para estes itens, identificamos que cerca de 61% do total dos gastos se concentra na divulgação das atividades parlamentares (mais de 12 milhões), passagens aéreas (11,1 milhões) e locação ou fretamento de veículos automotores (7,4 milhões). Dentre as atividades que seriam mais desejáveis para a qualificação do trabalho parlamentar, como consultorias, pesquisas e trabalhos técnicos para aprimoramento do processo legislativo, temos o gasto global de 5,4 milhões e, na lanterna, com R$ 30.840,50, o custeamento de cursos, palestras ou eventos similares. Talvez, se os deputados investissem menos em andar por aí pegando crianças no colo e visitando eleitores e gastassem mais em se preparar adequadamente para a vida pública, o quadro seria diferente. Os trabalhos do Congresso não apareceriam constantemente como alvos de chacotas e indignação por parte da sociedade. Como na ocasião do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, quando ficamos escandalizados com o nível da atuação dos deputados.
Entre os partidos políticos há desproporções importantes nos gastos. Para evitar distorções devido a quantidade de parlamentares ser diferente entre os partidos e também o valor absoluto da cota variar por sigla em função das origens distintas dos estados dos parlamentares, optamos por olhar para o uso da cota dos partidos considerando o total da cota possível de ser gasto e, em média, quantos por cento o partido gastou efetivamente dessa cota à sua disposição. Todos os partidos gastam, em média, 66% do total da cota parlamentar disponível. Dentre os mais gastões estão os deputados do PT, seguidos pelos do PCdoB, PP, PL (antigo PR), PDT, MDB, PSDB, PRB e PODEMOS, os quais gastaram, em média, 70% ou mais em relação ao total da cota. Já dentre os mais econômicos, aqueles que gastaram abaixo de 50%, estão os parlamentares do NOVO, REDE, PV e AVANTE, conforme apresentado no gráfico a seguir.
Gráfico – Gasto percentual médio por partido em relação ao total da cota parlamentar
Fonte: Elaboração própria a partir de dados disponíveis no portal da Câmara dos Deputados.
Quando observamos esses dados do ponto de vista do posicionamento ideológico dos deputados, temos os seguintes percentuais: parlamentares de esquerda gastaram em média 65% em relação ao total da cota disponível, seguidos por 62% dos gastos de parlamentares de direita e, por último, 61% dos parlamentares alocados no centro do espectro ideológico. Ou seja, do ponto de vista ideológico, todos os matizes estão muito próximos. Ao observar os dados por outro ângulo, em relação ao que se tornou comum no discurso tanto presidencial quanto parlamentar de opor a “nova” e a “velha” política, há variações também.
Ao dividirmos os deputados entre novatos na Câmara e aqueles que conseguiram se reeleger, identificamos que os novatos gastaram cerca de 56,8% em média em relação ao total da cota disponível ante os 73,3% de gastos dos deputados reeleitos. O percentual se mantém praticamente o mesmo quando se divide os deputados entre aqueles que possuem algum histórico em cargos eletivos – ou seja, foram vereador, prefeito, deputado estadual, distrital, federal, senador ou governador ao longo da vida pública – e os que não tem histórico político, sendo estreantes em cargo eletivo em 2019. Aqueles que possuem histórico político gastam, em média, 70% e, os que não possuem, 57%. Ou seja, os parlamentares novos que dizem ser a “nova” política têm economizado um pouco mais até agora. Contudo, não é para tanto a ponto de dizerem que são tão diferentes assim em relação aos seus colegas anciãos. Salvo algumas exceções, como parlamentares do NOVO e da REDE, os quais, comparativamente, gastam bem menos em relação aos partidos do topo da lista dos mais gastões.
A conclusão parece bem clara: de modo geral, o gasto com cota parlamentar é alto. Por um lado, torna o Legislativo ainda mais caro e, por vezes, corresponde a gastos que poderiam ser bem mais modestos, como os relacionados à divulgação de atividade parlamentar. Ainda mais em tempos de redes sociais que facilitam a comunicação entre representantes e representados. Por outro lado, há alguns padrões novos referentes ao uso desse recurso da cota parlamentar em relação a partidos que tem crescido e ganhado mais expressão política recentemente, mas ainda é cedo para prever qualquer coisa. Cada vez mais é necessário prestarmos mais atenção no nosso Parlamento e pressionarmos os políticos por mudanças. Afinal de contas, além de todo esse custo econômico, temos o custo político de um país que caminha sem uma agenda clara e positiva. Em tempos que se discute tanto reformas, por que não começar pelo o que está na boca de governistas: “menos Brasília, mais Brasil”?
[1] Lista completa com a cota de atividade parlamentar mensal individual de cada estado disponível em: https://www2.camara.leg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/cota-parlamentar.