Atuação parlamentar baseada em evidências

    Ana Paula Massonetto

    25 de julho de 2019 | 19h22

    Há poucos dias, o presidente Bolsonaro iniciou nova polêmica na conturbada relação do seu governo com dados e evidências científicas, ao afirmar que os dados do INPE sobre o desmatamento da Amazônia não condizem com a realidade e dificultam negociações comerciais.

    Bolsonaro, que parece confiar mais na sua percepção do que em dados – ele afirma não haver fome no Brasil porque não vê pessoas esqueléticas andando na rua, já havia criticado a metodologia do IBGE, sobre cálculo de desemprego. O Censo 2020 foi reduzido, acompanhando os cortes no orçamento do IBGE. O ministro da Cidadania disse que não confiava no estudo sobre drogas tema da Fiocruz, ao defender o endurecimento da política. O presidente do Ipea, indicado para o cargo pelo ministro Paulo Guedes, discordou publicamente do diagnóstico sobre impactos do porte de arma, produzido pelo próprio órgão que preside. O Inep, responsável pelos dados educacionais, teve 3 presidentes em 6 meses de governo.

    “Vou negando as aparências

    Disfarçando as evidências

    Chega de mentiras”

    Se tem algo de positivo nos ataques do presidente Bolsonaro aos dados e à pesquisa, é alçar o tema à discussão, iluminando a importância da política pública baseada em evidências, para fazer frente às agendas obscurantistas religiosas e fake news que assombram nossos dias.

    Seria contrassenso desenhar e implementar uma política de transferência de renda ou de equilíbrio fiscal do Estado sem diagnóstico, análise e gestão de um grande número de dados, além de referências de resultados bem sucedidos em casos já testados.

    Não é pretensão da Política Informada por Evidência (PIE) eliminar escolhas ideológicas ou variáveis do contexto político, mas sim informar os tomadores de decisão sobre problemas, causas, estratégias disponíveis e melhores resultados obtidos em casos análogos, ampliando o repertório de soluções e as chances de sucesso das políticas adotadas, visando a resolução efetiva de problemas complexos atuais.

    O Executivo vinha avançando nessa direção: em 2018, o MEC criou a Assessoria Estratégica de Evidências (AEVI). A Rede de Políticas Informadas por Evidências (EVIPNet) no Brasil, na saúde, data de 2007.

    No Poder Legislativo, o Senado aprovou em 2018 o PLS n. 488/2017, que altera a Lei Complementar 95/1998, Lei da Técnica Legislativa, para determinar que as proposições legislativas que instituam políticas públicas contenham a avaliação de impacto legislativo, com intuito de tornar a gestão pública mais transparente, profissional e eficiente. O projeto está na CCJ da Câmara dos Deputados.

    O Congresso Nacional já possui estruturas, órgãos e carreiras, específicas para subsidiar a atuação parlamentar com dados e evidências. A Consultoria Legislativa, órgão de assessoramento institucional, sempre que demandada, elabora estudos, notas técnicas, minutas de proposições e pareceres, relatórios e pronunciamentos parlamentares, dentre outros trabalhos, tendo atuado em 91% das 1.500 proposições aprovadas em comissões permanentes em 2018. Ainda assim, as consultas e estudos representaram apenas 21% da atividade da Consultoria Legislativa.

    Comparativamente, no Congresso Americano as 250 comissões e subcomissões instaladas nas duas Casas contam assessoria de 3.400 funcionários e três agências legislativas de suporte (Congressional Research Office, General Accounting Office, Congressional Budget Office) para obter informações, análises, opções políticas e pesquisar projetos.

    Os Legislativos subnacionais brasileiros também costumam contar com corpo técnico de consultores legislativos, porém estudo realizado com 10 Câmaras Municipais de municípios com mais de 500 mil habitantes, incluindo SP, BH, Curitiba e Joinville, demonstrou que tais assessorias são incipientes, pouco demandadas pelos parlamentares, alocadas em atividades burocráticas, sem autonomia para pareceres técnicos e estudos, com baixa capacidade técnica e ausência de oportunidades formativas. O estudo indica que há pouca valorização do trabalho técnico-científico no âmbito do Legislativo municipal.

    Há também espaço para a atuação parlamentar baseada em evidências, via profissionalização do planejamento e da gestão dos gabinetes, com definição de objetivos e resultados mensuráveis, aumentando a transparência, viabilizando a avaliação, controle social e responsabilização da atuação parlamentar.

    Ambos os caminhos fortalecem o Legislativo, visando superar assimetrias de informação e de poder de agenda. O conhecimento e informação ancoram o relacionamento do Legislativo com demais poderes e sociedade civil.

    A estrutura, os processos e as práticas, especialmente dentre os parlamentares da renovação, encontram-se minimamente estabelecidas, apoiando a atuação parlamentar baseada em evidências. E o cenário do governo atual pode, como janela de oportunidades, impulsionar a cultura do Legislativo nesse sentido. Como diz o dito popular (ou seria Platão), “a necessidade é a mãe da invenção”.

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