Ao vencedor as batata
Graziella Guiotti
21 de março de 2019 | 15h10
Recente pesquisa publicada pelo Latinobarometro traz dados acerca da confiança dos latino-americanos em determinadas instituições. A organização realiza entrevistas nos 18 países latino-americanos – com exceção de Cuba – desde 1995. A medição de 2018 foi descrita pela analista Marta Lagos, parafraseando a Rainha Elizabeth II, como um “annus horribilis”. A descrença na democracia é a pior já registrada na região, sendo o Brasil o país com menor grau de satisfação com a democracia de toda a América Latina, menor até que na Venezuela .
A instituição que mais goza da confiança dos brasileiros é a igreja – aqui entendida como qualquer igreja – com 73% de respostas positivas, seguida de longe pelas forças armadas, com 58% e pela polícia, com 47%. As instituições democráticas são as que mais sofrem o descrédito. No Brasil, o Poder Judiciário, menos atingido pelos inúmeros escândalos de corrupção e cada vez mais inserido no processo político, ainda goza de 33% de aprovação, mais do que a confiança no próprio processo eleitoral, que bate nos 26%.
Ainda que contagiada pela baixa aprovação do chefe do Executivo à época da medição, a confiança no governo é a única da região que não passa de um dígito, 7%. A confiança no Congresso só não é mais baixa que a peruana: apenas 12% dos brasileiros confiam no parlamento. A confiança nos partidos, no entanto, é o dado que mais choca. Também o mais baixo da região, o índice dos que confiam nos partidos políticos brasileiros é de apenas 6%.
Com partidos e parlamento tão desacreditados e as igrejas e Forças Armadas sendo as instituições mais valorizadas pelos brasileiros, fica mais clara a interpretação do processo eleitoral de 2018 e a forte presença das duas instituições nele. A tímida participação militar na política institucional parece ter dado um salto e o grupo se configura como partido político informal na formação do governo. Já a frente parlamentar evangélica teve uma participação na política institucional que cresce paulatinamente já há algum tempo e que teve sua ala conservadora contemplada no discurso eleitoral.
A forma que tradicionalmente era adotada pelos presidentes eleitos no Brasil para construir sua base de governo – formar seu gabinete, para usar o termo parlamentarista – foi questionada e criticada no processo eleitoral e pelo presidente eleito. A construção da coalizão era feita com o compartilhamento do governo, ou seja, partidos se comprometiam a aprovar a agenda no Legislativo desde que tivessem participação no Executivo. Ora, como confiar justamente no Congresso e nos partidos? A formação de governo rapidamente se configurou no principal vilão a ser combatido. Passaram a ser frequentes no debate público termos como “toma-lá-dá-cá”, e a tradicional formação de governo passou a ser associada à corrupção.
A reforma da previdência vai ser o marco da suposta nova formação de coalizão. Cabe observar duas questões, no entanto. A primeira é que os deputados e senadores indicados para Ministérios no modelo “antigo” estavam sujeitos a accountability. Isto é, ocupavam cargos eletivos e tinham algo a perder se fizessem um trabalho ruim – ou seja, não seriam reeleitos. Por outro lado, o presidente, ao construir sua coalizão partidária, assumia o ônus e o bônus de estar ligado aos partidos que integram sua base. Assim, um presidente que indica um Ministro de um outro partido sabe que também pode ser penalizado caso o ministro faça um trabalho ruim.
A segunda questão a ser colocada é o papel das Forças Armadas como “partido informal”, ocupando postos e com agenda própria. Diferente de um grupo difuso, como é o caso dos evangélicos, ou de um partido político, os militares têm um conjunto de interesses corporativos claros. Assim como a maior parte da população brasileira, são parte interessada nos resultados da Reforma da Previdência. Coincidência ou não, as Forças Armadas ressurgem como ator político relevante justamente no momento em que a tão cara questão da previdência está no centro do debate público.
Chegará o momento, no entanto, em que esses atores não coordenados em forma de partido político irão bater de frente. Paulo Guedes insiste na agenda da reforma da previdência efetiva; os militares reclamam seu quinhão do apoio eleitoral; a aprovação do presidente é a mais baixa no primeiro mandato desde Collor e os partidos seguem insatisfeitos em não fazer parte do governo – com exceção do DEM. Sem a construção de acordos coordenada pelos partidos na Câmara, os embates entre Congresso e Esplanada já começam a soltar faíscas em público como na última desavença entre Sérgio Moro e Rodrigo Maia. Só nos resta torcer para essas faíscas não atingirem nada inflamável.