A estratégia Bolsonaro: a negação do presidencialismo de coalizão
João Paulo Viana
30 de maio de 2019 | 14h53
*Escrito em parceria com André Luiz Coelho, professor da Escola de Ciência Política da UNIRIO e doutor em Ciência Política pelo IESP-UERJ.
O Presidencialismo de Coalizão brasileiro, fundado com o advento da Nova República, em 1985, e formalizado com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, acaba de completar trinta anos. Arranjo institucional que combina presidencialismo, separação de poderes, multipartidarismo, representação proporcional e federalismo, este modelo tão criticado durante o conturbado quinquênio que se seguiu à Assembleia Nacional Constituinte, principalmente pelo suposto caráter “plebiscitário” da presidência e a elevada fragmentação partidária, a partir de meados da década de 1990 conseguiu apresentar razoáveis níveis de estabilização.
Na contramão dos argumentos contrários ao seu funcionamento, o sistema político brasileiro se mostrou funcional e possível, com presidentes minoritários sendo capazes de formar coalizões estáveis e majoritárias. Isto foi possível graças a um Executivo forte e a lideranças partidárias no interior do Parlamento dotadas de amplos poderes de coordenação política, proporcionando ao partido do presidente e sua coalizão governista elevadas taxas de aprovação legislativa e disciplina partidária, comparáveis mesmo aos governos parlamentaristas da Europa ocidental. Durante cerca de vinte anos os partidos mostraram-se, no interior do Parlamento, coesos e disciplinados, dispostos a cooperar com o Executivo (com exceção da breve presidência de Fernando Collor de Mello, entre 1990 e 1992).
De fato, a governabilidade evidenciava-se a partir dos mecanismos institucionais, ou, da “caixa de ferramentas” do presidencialismo de coalizão brasileiro. Assim, na complexa tarefa de construção de maiorias por meio do constante diálogo e negociação, o Executivo possui na figura do presidente um ator de fundamental relevância na relação com o Legislativo, especialmente no manejo da base governista, muitas vezes formada por um número alto e heterogêneo de legendas. Nesse contexto, desde a redemocratização, a formação da coalizão de governo apresenta-se como condição sine qua non para o sucesso dos presidentes.
Não obstante, com o acirramento da crise política brasileira a partir da eleição de 2014 e, especificamente, no decorrer do segundo governo Dilma Rousseff (PT), o presidencialismo de coalizão passou a ocupar novamente as manchetes da imprensa brasileira, como responsável pela corrupção e pelos desvios de conduta da classe política em seu gerenciamento da administração pública. A partir daí, a formação de amplas coalizões de governo passou a ser identificada — pelo senso comum — como relações espúrias, sinônimo de corrupção e práticas viciadas no tocante ao funcionamento da coisa pública. A política, no entanto, exige diálogo, negociação e, fundamentalmente, capacidade de lidar com as diferenças. A demonização da política e da negociação entre Executivo e Legislativo tende a trazer maior instabilidade ao sistema político brasileiro, uma vez que o conflito toma o lugar da coordenação necessária entre ambos os poderes.
Foi nesse contexto de negação do sistema político vigente que Jair Bolsonaro (PSL) chegou ao poder, negando o que chamou de “velha política” e prometendo o que se convencionou denominar de “presidencialismo de bancada”, por meio do qual afirmava seu desejo de negociar com os parlamentares de acordo com cada tema em separado, evitando a construção de uma coalizão que buscasse ser ampla e duradoura. Contudo, até o presente momento, o “presidencialismo de bancada” se mostrou um retumbante fracasso e as relações entre Bolsonaro e a Câmara dos Deputados nunca estiveram em patamar tão baixo, com sucessivos conflitos e acusações de ambos os lados.
Insatisfeitos, os parlamentares exigem maior presença do presidente nas negociações com o Legislativo, dificultando a tramitação das pautas do governo e convocando seguidamente ministros para explicações em comissões no parlamento. Vale lembrar que tal expediente, em grau bem maior, foi utilizado para inviabilizar o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff, provocando o que chamamos de “paralisia decisória” e precipitando o processo de impeachment que resultou em sua saída.
Se a história recente da América Latina tem algo a nos ensinar sobre o tema é que em disputas entre o Legislativo e o Executivo o Parlamento tem maiores chances de sair vitorioso. Nos poucos casos em que os presidentes ganharam a queda de braço com os legisladores, estratégias autoritárias foram adotadas, como o autogolpe, o fechamento do Congresso, a convocação de uma nova Constituinte e o aumento da repressão e do autoritarismo, de um modo geral. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.